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1 | 50th Anniversary of Dictatorship in Brazil: A French Torturer in South America | 50 anos da ditadura no Brasil: Um torturador francês na América do Sul |
2 | The original version of this article, written by Anne Vigna, was published by Agência Pública's website [pt], on 1 April 2014, the 50th anniversary of the military coup in Brazil. | A versão original deste artigo, escrito por Anne Vigna, foi publicada pela Agência Pública no 50º aniversário do golpe militar no Brasil, 1 de abril de 2014. O artigo sofreu edições para publicação no Global Voices. |
3 | All links lead to websites in English unless otherwise stated. | Todos os links indicam sites em português, exceto quando indicado outro idioma. |
4 | The interview with Paul Aussaresses, published in the 23 November 2000 issue of Le Monde [fr], had an explosive impact in France and Algeria. | A entrevista, estampada na edição do Le Monde[fr] de 23 de novembro de 2000, caiu como uma bomba na França e na Argélia. |
5 | For many years, historians and journalists had been searching for a soldier's testimony about the methods used by the French against militants from the National Liberation Front (FLN) during the Algerian War of Independence (1955-1962). | Há tempos, historiadores e jornalistas buscavam o testemunho de um militar sobre os métodos atrozes utilizados pelos franceses contra os militantes da Frente de Libertação Nacional (FLN) durante a guerra de independência da Argélia (1955-1962). |
6 | Aussaresses, aged 82 at the time of the interview, admitted to torture and covering up murders, executions and death squads. | Paul Aussaresses [en], à época com 82 anos, reconheceu a prática de torturas, os desaparecimentos para encobrir assassinatos, as execuções, os esquadrões da morte. |
7 | He claimed to have no regrets. | Dizia não se arrepender de nada. |
8 | By the time of his death [pt] in December 2013, he had never revealed the identities of the members of his death squads. | Até o seu falecimento, em dezembro do ano passado, não revelou a identidade dos homens de seus esquadrões da morte. |
9 | Aussaresses was considered to be one of France's most skilled officials in counter-insurgency. | Aussaresses era considerado um dos oficiais franceses mais capacitados em contra-insurgência. |
10 | For many years, Aussaresses's activities remained a mystery, with little known about his participation in the perpetration of the Brazilian military dictatorship and France's activities during that period. | Aussaresses permaneceu por muito tempo um mistério de mil guerras, com poucas respostas. Sua participação na execução da ditadura militar brasileira e as atividades da própria França no período, eram um capítulo quase desconhecido. |
11 | Then Rodrigo Nabuco, a historian originally from Rio de Janeiro who has lived in France for many years, began to delve into French government documents to bring to light the voice of the “executioner of Algiers” and his accounts of the time he spent time in South America. | Até um historiador carioca, há muito radicado na França, mergulhar através de documentos oficiais do governo francês e trazer a tona a voz do próprio “carrasco de Argel” sobre seu tempo na América do Sul. |
12 | Nabuco's thesis [pt] “Conquering minds and trading weapons: French military diplomacy in Brazil” - the reports of the military attachés kept secret for 30 years in the French embassy. | Rodrigo Nabuco escreveu a tese: “Conquista das mentes e comércio de armas: a diplomacia militar francesa no Brasil” - os informes dos adidos militares mantidos há 30 anos em sigilo na embaixada francesa. |
13 | The general in command | O general no comando |
14 | Aussaresses was considered one of France's most skilled officials in counter-insurgency. | Aussaresses era considerado um dos oficiais franceses mais capacitados em contra-insurgência. |
15 | Trained in intelligence techniques in London during World War II, he became commander of the parachute brigade 11e Choc, the military arm of the French secret services overseas. | Formado em Londres durante a II Guerra Mundial na área de inteligência, tornou-se comandante da brigada de paraquedistas “El 11e Choc”[fr] , o braço armado dos serviços secretos franceses no exterior. |
16 | Years later, in his first book [fr] of memoirs published in 2001, he clearly explained his mission: | Anos depois, em seu primeiro livro de memórias, explicou claramente sua missão: |
17 | To carry out what we called “psychological warfare“, in any place in which it was necessary, such as Indochina. | Fazer o que chamávamos “guerra psicológica“, em todos os lugares que fosse necessário, como na Indochina. |
18 | I prepared my men to undertake clandestine operations, to place bombs, and to engage in acts of sabotage or elimination of the enemy. | Preparava meus homens para realizar operações clandestinas, colocação de bombas, ações de sabotagem ou a eliminação de inimigos. |
19 | Three years after France's defeat in Vietnam in 1957-58, French troops were victorious in the Battle of Algiers. | Três anos depois da derrota no Vietnã- entre 1957 e 1958 - as tropas do general Jacques Massu venceram a Batalha de Argel. |
20 | Aussaresses played a vital role in the French parachutists' victory, divided into operational zones and acting on “intelligence” - from the encirclement of targets to torture, executions and massacres that resulted in the “disappearances” of 4,000 people. | Aussaresses teve um papel capital para a vitória dos pára-quedistas franceses, divididos em zonas operacionais e atuando na “inteligência” - desde o cerco aos alvos até torturas, execuções e massacres que totalizaram o “desaparecimento” de 4 mil pessoas. |
21 | Algeria ended up winning independence in 1962, but France's experience of anti-guerilla warfare made them specialists in “revolutionary warfare” at a time when the United States was entering Vietnam. | A Argélia acabaria conquistando a independência em 1962, mas a experiência anti-guerrilha dos franceses os converteu em “especialistas” em “guerra revolucionária” no momento em que os Estados Unidos entravam no Vietnã. |
22 | France promoted its military doctrine to its allies in the Cold War through magazines, books and courses led by Aussaresses himself in the United States. | Sua doutrina militar foi difundida pelos aliados da guerra fria através de revistas, livros, cursos ministrados pelo próprio Aussaresses nos Estados Unidos. |
23 | There, his influence remained. | Lá, sua influência perdurou. |
24 | The 1956 film “The Battle of Algiers”, in which Italian filmmaker Gillo Pontecorvo denounces French troops' killing, torture and lies - and which Aussaresses considered “marvellous, very true to reality” - was even shown in the Pentagon [pt]. | O filme “A Batalha de Argel”, de 1966, em que Gillo Pontecorvo denuncia a matança, a tortura e as mentiras das tropas francesas - e que Aussaresses considerava “magnífico, muito próximo da realidade” - chegou a ser exibido no Pentágono. |
25 | Brazil, 11 September 1973 | Brasil, 11 de setembro de 1973 |
26 | Admired around the world, with the profile of a soldier trained for torture and execution, the general appeared the ideal candidate to arrange the Pompidou government's diplomatic mission in Brazil during the ‘years of lead'. | Admirado no mundo, com o perfil de um militar treinado para a tortura e a execução, o general parecia o homem certo para compor a missão diplomática do governo Pompidou no Brasil dos anos de chumbo. |
27 | In his first reports from Brazil, Aussaresses recounts coming into contact with former pupils from his US courses. They “resulted in friendly contacts from a personal point of view but which were also useful for the services”, he wrote [fr]. | Em seus primeiros informes, Paul Aussaresses conta ter reencontrado vários antigos alunos de seus cursos nos Estados Unidos; o que “resultou em contatos amigáveis do ponto de vista pessoal e úteis para os serviços”, escreveu. |
28 | He felt at home in the company of his friend, the general and future president João Batista Figueiredo, about to take on the leadership of the SNI (National Intelligence Service) in the Geisel government (1974). | Sentia-se em casa na companhia do amigo general e futuro presidente João Batista Figueiredo, prestes a assumir a chefia do SNI (Serviço Nacional de Informações) no governo Geisel (1974). |
29 | He was also close to the police deputy Sérgio Fleury, a torturer symbolic of the Brazilian dictatorship - he even mentioned him in his second book of memoirs “I haven't said everything yet” (“Je n'ai pas tout dit” [fr], in French, 2008) as head of the death squad. | Também era próximo do delegado Sérgio Fleury, torturador-símbolo da ditadura brasileira - chegou a mencioná-lo no seu segundo livro de memórias “Não falei de tudo” (“Je n'ai pas tout dit”, em francês, 2008) como chefe do esquadrão da morte. |
30 | In an interview [pt] with the journalist Leneide Duarte-Plon following the publication of his book of memoirs, Aussaresses recounted a revealing episode about how the head of the French diplomatic mission, Michel Legendre, viewed the activities of his military attaché in Brazil: | Em entrevista à jornalista Leneide Duarte-Plon, logo depois da publicação do seu livro de memórias, Aussaresses contou um episódio revelador sobre como o chefe da missão diplomática francesa, Michel Legendre, encarava as atividades de seu adido militar no Brasil: |
31 | One day the ambassador said to me: ‘You have strange friends'. | Um dia o embaixador me disse: ‘Você tem amigos estranhos'. |
32 | I replied: ‘They are the ones who allow me to keep you well-informed.' | Eu respondi: ‘São eles que me permitem manter o senhor bem informado'. |
33 | He didn't say anything else. | Ele não disse mais nada. |
34 | Until recently, little was known about Aussaresses' time in Brazil beyond what the general himself had revealed. | Da estada de Aussaresses no Brasil pouco se sabia até pouco tempo, além do que o próprio general havia revelado. |
35 | On the Brazilian side, the archives remain closed. | Do lado brasileiro, os arquivos continuam fechados. |
36 | Journalist Lúcio Castro, during an investigation for an ESPN special report [pt] on Operation Condor, failed to obtain any official documentation from Itamaraty [the headquarters of Brazil's Ministry of External Relations] in response to a request for information about Aussaresses. | O jornalista Lúcio Castro, durante uma investigação para um especial da ESPN sobre a Operação Condor - não conseguiu obter nenhuma documentação oficial do Itamaraty, em resposta ao pedido de informações sobre Aussaresses. |
37 | The only documents sent by the Ministry were letters from the French embassy requesting visas for his daughters and other matters of minimal interest. | Os únicos documentos enviados pelo órgão foram cartas da embaixada francesa pedindo visto para as filhas dele e outras coisas de menor interesse. |
38 | Not even the general's date of arrival in Brazil can be found in the documents, which can be viewed on the website Documentos Revelados [pt] [Documents Revealed]. | Nem mesmo a data de chegada do general consta nos papéis, que podem ser encontrados no site Documentos Revelados. |
39 | On the French side, however, revelations continue to emerge. | Do lado francês, porém, as revelações começam a surgir. |
40 | The documents obtained by Nabuco are fundamental to understanding French attachés' role in the Brazilian dictatorship and the trade in weapons. | O historiador carioca Rodrigo Nabuco obteve acesso a uma documentação fundamental para compreender o papel dos adidos franceses na ditadura brasileira e o comércio de armas. |
41 | For example, Nabuco has used the documents to determine that the exact date of Aussaresses' arrival in Brazil was 11 September 1973, noting that this was the same day as the military coup in Chile: | Baseado nessa documentação, Nabuco conseguiu determinar, por exemplo, a data exata da chegada de Aussaresses no Brasil: 11 de setembro de 1973, mesmo dia do golpe militar no Chile. |
42 | “It's difficult to believe it was a coincidence. | Coincidência? Difícil acreditar em coincidência. |
43 | With the liberation of documents [regarding the coup in Chile] over the last few years, there can be no doubt as to Brazil's support of the Chilean coup, and it is impossible to imagine that a highly specialised, parachutist colonel like him would not at least have given his opinion”, says Nabuco. | Com a liberação dos documentos [sobre o golpe no Chile] nos últimos anos, não resta dúvida sobre o respaldo do Brasil ao golpe do Chile, e é impossível imaginar que um coronel paraquedista altamente especializado como ele, não haja dado ao menos sua opinião”, diz Nabuco. |
44 | Brazil and France: a long-standing relationship | Brasil e França: caso velho |
45 | Nabuco also notes that French participation in the Brazilian military dictatorship began before the coup in 1964: | Nabuco também constatou que a participação francesa na ditadura militar brasileira começou antes do golpe de 1964. |
46 | French military cooperation with Brazil is long-standing and has been significant since the 1920s, with military missions, swapping of officials in military colleges, etc. But this cooperation played a fundamental role in the 1960s and 1970s, a role seen neither before nor since this period. | A cooperação militar francesa com o Brasil é antiga e significativa desde os anos 1920, com as missões militares, o intercâmbio de oficiais em escolas militares, etc. Mas esta cooperação vai assumir um papel fundamental nos anos 1960, 1970, um papel nunca visto nem antes nem depois. |
47 | The French saw the Brazilian dictatorship as an opportunity to recover their influence over military missions that had been lost to the Americans. | A ditadura brasileira foi vista pelos franceses como uma oportunidade de recuperar a influência das missões militares, perdida para os americanos. |
48 | In his book “A Ditadura Escancarada” [pt] [“The Wide-Open Dictatorship”], journalist Elio Gaspari highlights that the Brazilian military hierarchy “drew upon two classic cases of anti-insurrectional action”: Vietnam and Algeria. | No livro “A Ditadura Escancarada”, o jornalista Elio Gaspari lembra que quando “a hierarquia militar brasileira associou as Forças Armadas à tortura, dispunha de dois casos clássicos de ação antiinsurrecional”. |
49 | Although Vietnam was not considered a “suitable” example because of the frequent executions of civilians, Algeria “was already on the bookshelves of military libraries”. | O primeiro era o Vietnã, porém, por frequentes casos de execução de civis, “não convinha”. Já “o segundo exemplo, a ação francesa na Argélia, encontrava-se nas estantes das bibliotecas militares”. |
50 | The man who the French government named military attaché and who was received with open arms in Medici's Brazil had commanded a massacre in Algeria that resulted in the deaths of 7,500 people in two days - 2,000 of whom were executed after being taken prisoner and interrogated in a stadium transformed into a concentration camp. | O homem que o governo francês nomeou adido militar e foi recebido de braços abertos no Brasil de Médici havia comandado um massacre na Argélia que resultou na morte de 7.500 pessoas em dois dias - 2 mil delas executadas depois de presas e interrogadas em um estádio transformado em campo de concentração. |
51 | And, as the facts suggest, any similarity with the Chilean National Stadium which saw the same fate in 1973 is more than a mere coincidence. | E, como apontam os fatos, qualquer semelhança com o Estádio Nacional chileno que teve o mesmo destino em 1973 não é mera coincidência. |
52 | Relations between the two countries - through Paul Aussaresses - were only just warming up. | As relações entre os dois países - através de Paul Aussaresses - estavam apenas esquentando. Leia a segunda parte desta série. |